Nos anos 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder e o fim da Primeira República, uma série de mudanças ocorreram na sociedade brasileira. Apesar da política cultural de valorização da mestiçagem, a discriminação racial continuou existindo e as comunidades negras mantinham-se organizando e criando coletivos que permitissem lutar por seus direitos e combater o racismo. Em Florianópolis, um dos relatos mais conhecidos da hierarquização espacial e social da cidade é o footing da Praça XV. O footing era um divertimento da população nas horas de lazer, um passeio pelas áreas públicas da cidade; no entanto, a ocupação do espaço era dividida conforme a cor e a classe social. Segundo Maria das Graças Maria, na Rua Felipe Schmidt, próximos à Confeitaria do Chiquinho, ficavam os jovens da elite branca. Da Rua Arcipreste Paiva, ao lado da Catedral, passando pela Praça XV de Novembro, em direção à Praça Fernando Machado, ficavam os jovens negros.
Como forma de resistir e ultrapassar as barreiras impostas pela discriminação, a população negra construiu espaços próprios de sociabilidade. As irmandades católicas, especialmente a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, foram, desde o período colonial, um espaço privilegiado de congregação da população africana e afrodescendente, fosse ela escrava, liberta e livre, pois mesmo durante o período escravistaapopulação não branca livre era bastante grande no Brasil. Outro importante local católico que reuniu esses grupos foi a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, localizadanamesma Praça XVII de Novembro onde ficava a sede do Centro Cívico Cruz e Sousa.
A partir do século 20, a maior abertura às práticas religiosas possibilitou a liberdade de exercício da fé, levando parte da população negra a ocupar outros espaços relacionados à religião. A participação em outras irmandades passou a sercada vez mais frequente, como a de Nossa Senhora de Montserrat, do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora do Parto. Muitos frequentavam o Centro Espírita Amor e Humildade do Apóstolo, fundado em 1910. A prática de religiões hoje conhecidas como afro-brasileiras, entre as quais destacam-se, em Florianópolis, o Candomblé e aUmbanda, também continuou existindo ao longo da República. No entanto,a forte oposição das autoridades e das forças policiais às religiões afro-brasileiras levou seuspraticantes a esconder suas devoções, sendo que apenas na década de 1940 foram oficializadas as primeiras casas de culto, dentre as quais o Centro Espírita São Jorge (de mãe Malvina), no bairro do Estreito.
Com as transformações sociais e o advento da República, surgiram novas formas de organização. Nos anos 1920, o Centro Cívico e Recreativo José Boiteux foi o principal, mas até os anos 1950 outras associações foram criadas pela população negra. Uma das mais conhecidas foi a União Recreativa 25 de Dezembro, fundada em 1933, que manteve a tradição do Centro Cívico, e até hoje luta para continuar existindo.
Um evento do calendário anual que tradicionalmente serviu de estopim para a união de pessoas em entidades foi o carnaval. Em Florianópolis não foi diferente. No início do século 20, inúmeros foram os blocos e cordões que desfilaram nos dias de Momo no centro da cidade. Dentre as muitas agremiações, algumas delas de curtaduração e outras mais longevas, o Brinca Quem Pode e o Tira a Mão, este último formado por integrantes da Força Pública, tiveram grande destaque nos anos 1930, tornando-se referência de carnaval e de associações mantidas pela população negra. Esse processo se intensificou nos anos 1940, quando surgiu a primeira escola de samba da capital,a Protegidos da Princesa, seguida, alguns anos depois, pela Embaixada Copa Lord.
Todas essas formas de organização produziram vivências e experiências específicas entreapopulação negra na cidade de Florianópolis, nas primeiras décadas após a Abolição. A união em forma de coletividades contribuiu para o enfrentamento da discriminação e para alcançar melhores condições de vida, apesar de todas as dificuldades. Também construiu parte da história da cidade, mantendo e produzindo manifestações culturais que reiteram a presença negra em Florianópolis, e continuam sendo ocasiões e espaços de afirmação política e luta contra racismo.
Referências do tema "Pós-Abolição em Florianópolis"